terça-feira, 1 de março de 2016

Sara, a Kali, e os Ciganos


Conta-se que duas irmãs de Maria, mãe de Jeusus, teriam tomado um barco para escapar de possíveis represálias após a morte do Apóstolo. Assim, Maria Jacobina, Maria Salomé, essa mãe dos apóstolos Tiago e João, junto com Maria Madalena, Marta, Lázaro, José de Arimatéia e Maximínio, e com eles uma serva de nome Sara, teriam sido jogados ao mar sem remos e nem provisões, numa pequena embarcação, quando descobertas as suas identidades ligadas a Apóstolo dos gentios. Sara, que próxima de Jeus e cristã fervorosa, teria rezado e rogado a Deus, prometendo que se chegassem a salvo em algum lugar ela passaria o resto de seus dias com a cabeça coberta por um lenço. Logo o grupo chega em terra firme na cidade de Saintes-Maries de la Mer, localizada hoje na região de Camargue, no Sul da França.

Ao desembarcarem foram recebidos por ciganos habitantes do local que, estranharam a cor da pele de Sara, que leva o epíteto Kali, quer dizer Negra. Há quem diga que Sara Kali teria sido serva e parteira auxiliar de Maria. Ela então adota o “diklô”, um lenço sobre a cabeça e logo se torna parteira das ciganas e as ajuda a encomendar e ter filhos. Essa história vai passando para a frente, até hoje. Bom, as tias de Jesus, Maria Salomé e Maria Jacobina ficam em Saintes-Maries para difundir as palavras do Mestre e Sara também, como serva das senhoras. O restante do grupo deixa a cidade.

Muitas centenas de anos depois criou-se o mito sobre Sara Kali entre os ciganos e logo ela se tornaria a padroeira desse povo, adorada, venerada, respeitada e na igreja de Saintes-Maries muitas crianças ciganas são batizadas. Dos quatro cantos do mundo, ciganos e outros não ciganos, invadem a pequena cidade de Saintes-Maries de La Mer na semana de 24 e 25 de maio para venerar Sara a padroeira, e Jacobina e Salomé. Na verdade, o Vaticano elevou as tias de Jesus primeiro à categoria de Santas Marias Salomé e Jacobina, daí a cidade onde aportaram se chamar em francês, Saintes-Maries. A canonização de Sara veio depois, consta que em 1712 e o dia 24 de maio é a festa dedicada a ela, e o dia 25 é para às tias.

Durante aproximadamente uma semana, uma multidão de ciganos se instala pelos hotéis, casas e ruas da cidade para as devidas homenagens a Sara e às Marias. Saintes-Maries se torna a capital dos ciganos, com a sua alegria, a sua música, dança, e união familiar. Vestidos a caráter, homens, mulheres, crianças, jovens, idosos, grupos de músicos, artistas famosos, como o cigano Ricao, campeão de vendas de cds, alegram as pequenas ruas de Saintes-Maries. Ao logo da praia, carroças, carros, moto homes de ciganos se instalam, e à noite em torno de muita comida e músicas se reúnem.

A IGREJA
Na cripta da Igreja de Saint Michel, fica uma imagem de Santa Sara Kali, diariamente coberta por lenços e mais lenços, entregues pelos seus devotos por graças alcançadas ou simplesmente para lhe render homenagem. Santa Sara é protetora da maternidade. Mulheres ciganas que não conseguem engravidar, ou que pedem um bom parto, depositam os seus “diklôs”. Sara é ainda conhecida como a santa dos desesperados, dos ofendidos e dos desamparados.
Na manhã do dia 24, após a celebração de uma missa na igreja de Saint Michel, a imagem de Santa Sara deixa a cripta em procissão pelas ruas da cidade em direção ao mar, para o mesmo lugar onde chegou a centenas e centenas de anos. Membros de uma das tradicionais famílias de ciganos, são encarregados de levar o andor tendo à frente cavaleiros montados em belos cavalos. O bispo de Arles e padres vão puxando a procissão, enquanto grupos de músicos ciganos tocam e cantam; ciganos e não ciganos vestidos a caráter caminham. Na praia uma outra multidão aguarda o cortejo que vai à loucura quando a imagem da Santa entra no mar. Uma confusão se forma, mas nada de problemas e a imagem de Sara retorna à cripta para mais um ano de adoração até à próxima procissão.  Ah, cabe à igreja de Saint Michel ser a guardiã das centenas de milhares de lenços, os “diklôs”, deixados sobre a Santa.
Santa Sara tem adoradores pelo mundo afora, e no Brasil também. É fácil encontrar brasileiras nos hotéis, na igreja e nas ruas de Saintes-Maries. 

Texto e fotos de Carminha Corrëa Jecko
(Reportagem publicada na Revista Class)

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